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Amazon v. Comissão Europeia: o início da narrativa judicial entre as Big Tech e o pacote legislativo digital da UE

O Digital Services Act ou Regulamento dos Serviços Digitais (Regulamento (UE) 2022/2065 do Parlamento Europeu e do Conselho), publicado em 2022, tem como principal objetivo a criação de um espaço digital seguro, com novas regras em matéria de privacidade, segurança e partilha de dados.

Após a sua publicação e entrada em vigor de parte das suas disposições, em finais de 2022, as plataformas online dispuseram de três meses para reportar o número de utilizadores ativos dos seus websites. Com base nos números recolhidos, a Comissão Europeia procedeu à catalogação destas plataformas como VLOPs (very large online platform ou plataforma em linha de muito grande dimensão) ou VLOSE (very large online search engines oumotor de pesquisa em linha de muito grande dimensão). Tal classificação determina, por sua vez, a imposição de um conjunto de obrigações e deveres a observar pelas plataformas.

Em abril de 2023, a Comissão Europeia identificou 19 plataformas e motores de pesquisa com, pelo menos, 45 de milhões de utilizadores (cfr. Considerando § 76 do Regulamento dos Serviços Digitais), de acordo com os critérios definidos no artigo 33.º do Regulamento dos Serviços Digitais (DSA). Por conseguinte, foram incluídas nos grupos de VLOPs e VLOSEs e sujeitas a um conjunto de regras em matéria de recolha de dados, privacidade, desinformação, discurso de ódio, entre outros. Entre o leque de 19 plataformas visadas pela decisão da Comissão constavam, entre outras, o Facebook (agora Meta), a Google, o Twitter (agora X) e o TikTok.

A listagem incluía ainda a Amazon, gigante tecnológica ligada ao e-commerce (e não só). A 11 de julho de 2023, os representantes legais desta Big Tech interpuseram uma ação no Tribunal Geral da União Europeia com o intuito de anular a decisão da Comissão[1] que qualificava a Amazon como plataforma online de muito grande dimensão (VLOP).

Na base da impugnação está, em primeiro lugar, o artigo 38.º do DSA, que indica o dever por parte das plataformas online de muito grande acesso de oferecem, pelo menos, uma opção para cada um dos seus sistemas de recomendação que não se baseie na definição de perfis (opção de “opt-out”).

A Amazon alega que a implementação de tal medida causará perdas significativas e irreversíveis na sua quota de mercado, provocando danos sérios e irreparáveis. Começa por justificar esta alegação argumentando que tal gerará desvantagens relativamente a mercados e revendedores que não têm a designação de plataformas online de muito grande acesso e que, portanto, não têm de aplicar a medida referida no artigo 38.º do DSA.

Mais ainda, a Big Tech refere que, uma vez providenciando esta possibilidade de “opt-out”, não seria capaz de se adaptar a cada cliente e tornar a sua experiência de compras agradável, sendo que os produtos recomendados aos clientes seriam irrelevantes (porque não baseados nos perfis de cada cliente), o que causaria uma experiência má para os consumidores e, possivelmente, afastá-los-ia de voltar a comprar junto da empresa. Esta possibilidade, segundo a Amazon, seria bastante provável, tendo em conta que os clientes não perceberiam que o fator que tornou as suas compras desagradáveis e mais difíceis foi a sua própria decisão pelo “opt-out” (pela impossibilidade da Amazon mostrar os produtos adequados ao cliente).

Em segundo lugar, a Amazon contesta os efeitos do artigo 39.º do DSA que obriga as VLOPs que exibem anúncios publicitários nas suas plataformas a compilar e disponibilizar ao público um repositório que contenha certas informações, como o conteúdo do anúncio publicitário, o período durante o qual foi exibido, a pessoa singular ou coletiva que pagou o anúncio, tal como aquela em cujo nome o anúncio foi exibido. A Amazon argumenta que tais obrigações causariam danos sérios e irreparáveis para as suas atividades publicitárias e, consequentemente, para toda a sua atividade comercial. Isto porque alguma da informação referida no artigo 39.º das é confidencial, pelo que a sua partilha iria enfraquecer a posição da empresa no mercado. A partilha desses dados iria dar a conhecer aos principais concorrentes as estratégias e tecnologias que a Amazon utiliza.

Contrariamente, a Comissão menciona que a obrigação de tornar esta informação pública não advém do artigo 39.º do DSA, mas antes de outros documentos legislativos anteriores, sendo que este artigo 39.º apenas impõe que essa informação seja compilada num repositório.

Sobre estas pretensões, o Tribunal Geral acabou por concluir que:

  1. O artigo 38.º do DSA não proíbe o uso de sistemas de recomendação baseados em perfis, simplesmente obriga a plataforma a disponibilizar uma opção que não passe pela definição de um perfil, sendo o consumidor que decide qual das vias pretende utilizar; por outro lado, o Tribunal considera que, para solucionar o problema (de perda de clientes causada pela opção “opt-out”) apresentado pela Amazon, a plataforma pode informar os consumidores dos benefícios do uso dos sistemas de recomendação com base em perfis para a melhoria da sua experiência de compras e, de igual modo, apresentar as desvantagens associadas ao “opt-out”. Nesse sentido, concluiu-se pela falta de quantificação concreta de danos por parte da empresa.
  2. As obrigações relativas ao repositório de anúncios permitiriam a terceiros aceder a segredos comerciais relativos às estratégias publicitárias dos clientes publicitários da Amazon, na medida em que revelam informações estratégicas como a duração da campanha, o seu alcance e parâmetros de segmentação. Nesse sentido, permitiria que os concorrentes obtivessem informações de mercado de forma contínua, em detrimento da Amazon e dos seus parceiros publicitários. Atendendo à evidência da potencial existência de danos, determinou-se que a espera por uma decisão no processo principal podia gerar um prejuízo grave para a Amazon. Por conseguinte, e supondo que essa informação é confidencial, a sua divulgação causaria necessariamente um prejuízo significativo à Big Tech.

No despacho proferido no passado dia 27 de setembro de 2023, o Tribunal Geral decidiu, pelos motivos expostos supra, suspender parcialmente alguns dos efeitos impostos pela decisão da Comissão Europeia de classificação da Amazon como plataforma online de muito grande dimensão. Resta apenas esperar pelos próximos desenvolvimentos desta narrativa judicial.

Pode consultar o Regulamento de Serviços Digitais aqui. Pode consultar a decisão do tribunal aqui.

Fontes complementares:

  1. https://eulawlive.com/op-ed-what-is-seen-cannot-be-unseen-an-emerging-standard-for-interim-measures-at-the-general-court-and-what-comes-next-in-amazon-v-commission-by-stijn-huijts/
  2. https://www.reuters.com/technology/amazon-wins-court-backing-now-against-eu-tech-rules-ad-clause-2023-09-28/
  3. https://www.ft.com/content/acee8a02-d29c-4286-bd40-9ba3a94d552d

Artigo Redigido por Martina Pereira Gonçalves e Ana Júlia Silva


[1] Via de regra, o recurso de anulação de um ato adotado pelas instituições da União não é suspensivo, uma vez que se presume que os atos praticados são lícitos (artigo 278.º do TFUE). No entanto, é possível requerer medidas provisórias para solicitar a suspensão do ato (artigos 278.º e 279.º do TFUE). Para tal, é necessário satisfazer dois critérios cumulativos: (i) a decisão de uma medida provisória deve ser justificada, prima facie, de facto e de direito, e (ii) reveste carácter urgente para evitar situações graves e prejuízos irreparáveis aos interesses do requerente. Além disso, quando apropriado, o pedido deve suportar um equilíbrio dos interesses envolvidos pelo juiz que conhece do pedido.

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