“Digitalization has changed the way business is done. We have had to define markets for digital services without a monetary price.” (Margrethe Vestager, Vice-Presidente Executiva da Comissão Europeia)
No passado dia 8 de fevereiro, foi publicada uma atualização da Comunicação da Comissão sobre a definição de mercado relevante para efeitos do Direito da Concorrência da União.
- ANTECEDENTES E OBJETIVOS
Apesar da definição do conceito de mercado relevante estar já solidamente estabelecida pela Comunicação 97/C 372/03, urgiu atualizá-la. Com efeito, a possibilidade de revisão começou a ser estudada em 2020 e foi sujeita a consultas públicas. É, desde logo, uma alteração em linha com a Comunicação da Comissão relativa a Uma Política de Concorrência Adaptada aos Novos Desafios (de 18.11.2021) e foi unanimemente incentivada pelas Autoridades Nacionais da Concorrência dos diversos Estados-Membros.
Assim, a renovada conceção de mercado relevante pretende “reforçar os princípios relevantes de enforcement de Direito da Concorrência e abranger novas realidades de mercado, como a digitalização e a atividade comercial interconectada à escala global”1, como anunciou Margrethe Vestager.
- RELEVÂNCIA
A definição de mercado é utilizada pela Comissão Europeia para identificar, definir e traçar os limites da concorrência entre empresas, sendo essencial para definir e concretizar o mercado relevante numa dimensão (i) material (mercado do produto), (ii) espacial (mercado geográfico) e (iii) temporal.
Esta delimitação é essencial para a aferição de condutas contrárias à concorrência, nomeadamente, resultantes de acordos verticais, de acordos horizontais, do abuso de posição dominante, bem como para o controlo de concentrações dentro do Espaço Europeu – no fundo, é relevante para identificar as pressões concorrenciais efetivas e imediatas que as empresas enfrentam quando oferecem determinados produtos, numa determinada área, num dado mercado.
- INOVAÇÕES
Apesar do núcleo essencial do conceito se manter em traços gerais inalterado, foram inseridas algumas especificidades recorrendo, nomeadamente, a conceitos mais maleáveis e, de certa forma, flexíveis o suficiente para abranger um novo conjunto de mercados – presentes e futuros – fruto do desenvolvimento tecnológico. Entre outras inovações, a Comunicação:
- Adota uma conceção lata de produto ou produção, concebendo-os como conceitos abrangentes, capazes de englobar igualmente tecnologias, serviços tecnológicos ou a concessão de licenças de exploração ou desenvolvimento de tecnologias;
- Admite que, para determinação da substituibilidade do produto do lado da procura, o Teste SNIPP2, baseado apenas em critérios monetários, apresenta algumas lacunas quando aplicado ao ecossistema digital, onde existem produtos sem valor monetário associado (ou seja, onde o consumidor não tem de pagar para usufruir de um produto ou serviço). Assim sendo, e acompanhando a Jurisprudência do Tribunal Geral – ver, entre outros, o Acórdão Google and Alphabet v. Comissão (T-604/183) – nesses casos, deve preferir-se a aplicação do Teste SSNDQ4;
- Define, de forma especializada, o mercado na presença de mercados de pós-venda, pacotes e ecossistemas digitais. Os mercados pós-venda são, tipicamente, mercados em que o consumo de um produto duradouro (produto primário) conduz ao consumo de outro produto associado (produto secundário). Considerou a Comissão que o ambiente digital é propício à existência deste tipo de mercados, pois é visto – ele próprio – como o produto duradouro/primário, através do qual se consegue alcançar o consumo de outros produtos secundários, nomeadamente, através de links ou interoperabilidade – e, sendo esse o caso, poderão ser de aplicar aos ecossistemas digitais regras semelhantes às aplicáveis aos mercados pós-venda.
Em suma, esta alteração pretendeu abarcar e enquadrar novas realidades – nomeadamente digitais – num já velho conhecido do Direito da Concorrência, numa lógica unitária e lata. One size fits all: um conceito, múltiplas realidades.
OUTRAS FONTES
- Herbert Smith Freehills: “A new EU Market Definition Notice fit for new market realities?” (https://hsfnotes.com/crt/2024/02/12/a-new-eu-market-definition-notice-fit-for-new-market-realities/)
- Lexology: “New EU Market Definition Notice for the digital era” (https://www.lexology.com/library/detail.aspx?g=4ea756a4-ac4b-495d-91d4-73b02051dea2)
- The Autorité de la concurrence welcomes the European Commission’s adoption of a revised version of its Notice on the definition of the relevant market (Market Definition Notice) (https://www.autoritedelaconcurrence.fr/en/article/autorite-de-la-concurrence-welcomes-european-commissions-adoption-revised-version-its)
Artigo redigido por Martina Pereira Gonçalves