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Acordo Provisório sobre o Trabalho em Plataformas Digitais: O Fim do Impasse nas Negociações da Proposta de Diretiva?

No passado dia 8 de fevereiro de 2024, o Parlamento Europeu e o Conselho chegaram a acordo provisório sobre as regras a aplicar ao trabalho em plataformas digitais.  

  1. CONTEXTO & ANTECEDENTES  

O trabalho em plataformas digitais pode ser definido como uma forma de trabalho em que uma plataforma em linha, como um website ou uma aplicação, concilia e conecta um cliente que procura um determinado serviço e uma pessoa que presta esse serviço em troca de dinheiro. 

Com um crescimento e expansão potenciados pela pandemia do SARS-CoV-2, existiam, em 2022, mais de 28 milhões de pessoas a operar enquanto trabalhadores nas plataformas digitais10. Estima-se que o número venha a ascender a 43 milhões já no próximo ano. 

Sucede, porém, que a esmagadora maioria das plataformas digitais classifica estes operadores como trabalhadores por conta própria e não como trabalhadores dependentes – o que tem, necessariamente, impacto sobre os direitos sociais e laborais que lhes são (ou não) reconhecidos. A título de exemplo, estima-se que cerca de 55% destes trabalhadores receba menos do que o legalmente previsto nos países onde operam por hora de trabalho.  

As dúvidas sobre qualificação do contrato de trabalho originaram, consequentemente, um aumento da litigiosidade nos tribunais nacionais11 e europeus12, e desencadearam diversas ações de fiscalização da regularidade do vínculo laboral por entidades não judiciais13

Tendo isto em conta, em 2021, decidiu a Comissão avançar com uma Proposta de Diretiva relativa à melhoria das condições de trabalho nas plataformas digitais, com o objetivo geral de, por essa via, (i) promover o bem-estar do povo europeu e o desenvolvimento sustentável da Europa, com base numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social e (ii) melhorar as condições de trabalho e os direitos sociais das pessoas que trabalham nas plataformas, tendo em vista, nomeadamente, a promoção de condições propícias ao crescimento sustentável das plataformas de trabalho digitais na União Europeia.  

Em suma, procura-se melhorar as condições de trabalho nas plataformas digitais, mas sem desperdiçar as oportunidades de inovação e flexibilidade que este meio de trabalho oferece.  

Em particular, pretendia-se, com esta proposta:  

  • garantir que as pessoas que trabalham nas plataformas tenham — ou possam obter — um estatuto profissional correto, com base na sua relação efetiva com a plataforma, e que tenham acesso aos direitos laborais e de proteção social aplicáveis; 
  • assegurar a equidade, a transparência e a responsabilização ao aplicar a gestão algorítmica no contexto do trabalho nas plataformas digitais
  • melhorar a transparência, a rastreabilidade e o conhecimento dos desenvolvimentos do trabalho nas plataformas digitais, bem como o cumprimento das regras aplicáveis, para todas as pessoas que trabalham em plataformas, incluindo além-fronteiras. 

Foi a proposta apresentada ao Parlamento Europeu (cuja posição foi concertada em sessão plenária, a 02.02.2023) e ao Conselho (que apresentou a sua posição no dia 12.06.2023). Depois de diversas e difíceis negociações interinstitucionais, pensava-se ter-se chegado a acordo provisório no passado dia 13.12.2023. No entanto, a 22 de dezembro de 2023, a Presidência espanhola do Conselho concluiu que não era possível obter a maioria necessária para alcançar o acordo provisório entre os representantes dos Estados-Membros (COREPER).  

Assumiu a Presidência belga a responsabilidade de retomar as negociações com o Parlamento Europeu, para que se chegasse a acordo sobre a versão final da Diretiva. Na manhã de 8 de fevereiro de 2024, chegaram (novamente) a acordo provisório sobre a adoção destas matérias.  

*ATUALIZAÇÃO: o acordo veio a ruir, mais uma vez, na tarde de 16 de fevereiro de 2024

  1. CONTEÚDO DA PROPOSTA 

De entre o conteúdo original dos 24 artigos que compõem a proposta de Diretiva, destacam-se os seguintes:  

  • Instituição de uma presunção de laboralidade (artigo 4.º): a relação contratual existente entre uma plataforma de trabalho digital, que controla a execução do trabalho (artigo 4.º, n.º 2), e uma pessoa que executa um trabalho através dessa plataforma deve ser considerada juridicamente uma relação de trabalho. Existindo uma presunção de laboralidade – isto é, de existência de um contrato de trabalho – o ónus da prova de afastamento desta presunção caberá à plataforma. 
  • Defesa da transparência na utilização de sistemas automatizados de tomada de decisões (artigo 6.º): as plataformas de trabalho digitais ficam obrigadas a informar os trabalhadores das plataformas sobre a utilização e principais características dos sistemas automatizados de monitorização — utilizados para monitorizar, supervisionar ou avaliar a execução do trabalho pelos trabalhadores das plataformas através de meios eletrónicos — e dos sistemas automatizados de tomada de decisões — utilizados para tomar ou apoiar decisões que afetem significativamente as condições de trabalho dos trabalhadores das plataformas. Além disso, as plataformas de trabalho digitais não podem tratar dados pessoais dos trabalhadores das plataformas que não estejam intrinsecamente relacionados com e que não sejam estritamente necessários para a execução dos respetivos contratos – por exemplo, não poderão tratar dados relativos a conversas privadas sobre o estado de saúde, psicológico ou emocional dos trabalhadores. 
  • Controlo humano de sistemas automatizados (artigo 7.º): as plataformas de trabalho digitais devem controlar e avaliar regularmente o impacto nas condições de trabalho das decisões individuais tomadas ou apoiadas por sistemas automatizados de monitorização e tomada de decisões. Por exemplo, não pode um trabalhador ser despedido ou dispensado com base numa decisão algorítmica não verificada ou ratificada por um ser humano. 
  1. PRÓXIMOS PASSOS? 

A conclusão do processo legislativo relativo à Diretiva do trabalho em plataformas digitais é uma das grandes prioridades das Instituições para a primeira metade de 2024. Para que tal venha a suceder, é necessária aprovação definitiva pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Tratando-se de uma Diretiva, para que venha a entrar em vigor nos Estados-Membros dependerá de uma posterior transposição. 

Apesar de aparentemente simples, a concertação entre os diversos Estados-Membros tem sido difícil de alcançar, porquanto alguns – entre os quais, França – consideram a proposta excessivamente ambiciosa, rejeitando, por exemplo, a existência de uma «presunção de laboralidade», defendendo, pelo contrário, que os trabalhadores preferem (man)ter o estatuto de trabalhador independente.  

Com o fim Presidência belga e Eleições para o Parlamento Europeu ao virar da primeira metade do ano, avizinham-se novas e intensas rondas negociais para extrair efeito útil desta proposta. The clock is ticking.

À terceira tentativa, o acordo foi alcançado no dia 11 de março de 2024.

OUTRAS FONTES 

  • SILVA, Catarina Marques da e MENDONÇA, Jorge Ribeiro, “Plataformas Digitais nas Vestes de Empregador: os Desafios da “Uberização” do Trabalho” in Revista Internacional de Direito do Trabalho, Ano 1, n.º 2, setembro de 2021, <https://idt.fdulisboa.pt/wp-content/uploads/2021/08/RIDT2_8.pdf> (17.02.2024).

Artigo Redigido por Martina Pereira Gonçalves

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