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Concorrência, IA e Democracia: Três Vértices de um Triângulo dos Tempos Modernos

No passado dia 19 de fevereiro, numa conferência1 dinamizada por um Grupo Parlamentar do Parlamento Europeu, discutiu-se o problema do monopólio das Big Tech no domínio da Inteligência Artificial, de que forma representa um desafio à Democracia e ao Estado de Direito e em que moldes pode este ser evitado ou contornado. 

O tema tem sido abordado por várias Autoridades da Concorrência nacionais ao redor da Europa. A título de exemplo, a Autorité de la Concurrence (Autoridade da Concorrência Francesa) lançou, em fevereiro de 2024, uma investigação sobre o mercado da inteligência artificial generativa – sobre o seu financiamento, riscos e estratégias adotadas pelos operadores do mercado. No mesmo sentido, a Autoridade da Concorrência alemã já analisou questões relacionadas com o mercado da IA, em concreto, relacionadas com a cooperação da Microsoft com a OpenAI. 

Também a Comissão Europeia lançou uma investigação sobre os sistemas de inteligência artificial generativa (isto é, sistemas capazes de criar novos conteúdos, como texto, imagens, vídeos ou áudios). Como notou Margrethe Vestager, Vice-Presidente Executiva da Comissão Europeia, “os ambientes virtuais e a IA generativa estão a evoluir rapidamente. É fundamental que estes novos mercados se mantenham competitivos e que nada os impeça de crescer e de oferecer os melhores e mais inovadores produtos aos consumidores” (tradução livre). 

Tendo em conta este cenário, concordaram os oradores que a proteção e salvaguarda da concorrência nestes mercados evita ataques à democracia, mormente, afasta ou dilui as hipóteses de comportamentos manipuladores, distorcivos ou discriminatórios no mundo digital. 

Sucede, porém, que a inserção de uma empresa nestes mercados acarreta um conjunto de custos e investimentos que uma startup tecnológica dificilmente consegue cobrir, o que deixa o caminho livre para as Big Tech explorarem o terreno por si mesmas ou em parceria/cooperação com as empresas mais pequenas – o que pode levantar vários problemas contendentes com as regras de Direito da Concorrência, por exemplo, pela existência de concentrações ou acordos anti-concorrenciais. 

Há que notar, contudo, que não o poderão fazer desenfreadamente, atendendo à malha legislativa que se está a costurar na União Europeia para regular os ambientes digitais, como lembrou Vestager.  

Como enunciado pela Proposta de Regulamento Inteligência Artificial (AI Act), “além das inúmeras utilizações benéficas da inteligência artificial, essa tecnologia pode ser utilizada indevidamente e conceder instrumentos novos e poderosos para práticas manipuladoras, exploratórias e de controlo social. Essas práticas são particularmente prejudiciais e devem ser proibidas, pois desrespeitam valores da União, como a dignidade do ser humano, a liberdade, a igualdade, a democracia e o Estado de Direito, bem como direitos fundamentais da União, incluindo o direito à não discriminação, à proteção de dados pessoais e à privacidade, e os direitos das crianças” – com efeito, podem determinados sistemas de IA ter um impacto potencialmente significativo na democracia, no Estado de direito e nas liberdades individuais.  

Atendendo a estes riscos, concluíram os convidados, que assegurar que vários players jogam de acordo com regras justas do mercado fará com que cada um compita com os demais para oferecer um sistema melhor, mais apelativo, mais competitivo, o que, no melhor dos cenários, deixará aos consumidores escolhas com mais qualidade e segurança, e contrariará as possíveis consequências nefastas da utilização deste tipo de sistemas. 

A promoção da concorrência entre empresas tecnológicas pode, assim (e ainda que em tese), ajudar a combater alguns dos riscos antidemocráticos potenciados pelos sistemas de IA, que têm sido apontados por organismos internacionais, do Parlamento Europeu ao Conselho da Europa

[1] Pode ser vista aqui.

OUTRAS FONTES:  

Artigo Redigido por Martina Pereira Gonçalves

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